O Julgamento de Sócrates


Texto: Monólogo de Ivan Fernandes livremente inspirado na “Apologia de Sócrates” de Platão
Temporada:03.11 a 17.12.17
Local:  Teatro Cândido Mendes (Rua Joana Angélica, 63 – Ipanema | RJ)
HorárioSextas, sábados e domingos, às 20h
Direção: Ivan Fernandes e Tonico Pereira
Elenco: Tonico Pereira (1948), celebrando 50 anos de carreira
Assistido em: 04.11.17
Duração40 minutos 
Tonico Pereira na UFF


NOTA BENE: Pré-estreia foi em 15 de outubro, no Teatro Municipal Trianon, em Campos dos Goytacazes, terra natal do ator (foto abaixo)



O monólogo busca reproduzir, nos dias atuais, o discurso de defesa do filósofo Sócrates durante o julgamento, em Atenas, em 399 a.C., que o condenou à morte por envenenamento sob a acusação de ter corrompido jovens e atuado como um sofista, cobrando por lições de retórica, e de não acreditar nos deuses, ou seja, impiedade.

“Porque, se vocês me matarem, não vão encontrar facilmente outro desse jeito, simplesmente ligado à cidade – por ordem do deus – como a um alto e nobre cavalo que, por causa da altura, é um pouco lerdo e precisa ser despertado por algum moscardo...” (extraído de PLATÃO, Apologia de Sócrates, tradução de André Malta, 2009, p.90).

Veja aqui algumas cenas do espetáculo.

O produtor Caio Bucker no folheto de divulgação:

“Produzir o espetáculo que comemora os 50 anos de carreira de um mestre como o Tonico é um grande presente. Produzir uma obra tão importante e atual nesse momento de crise ética e de valores que vivemos é também um presente. Vamos resistir! #teatrosim”.
  
O ator Tonico Pereira em entrevista

“Sócrates é um dos mais importantes filósofos e me considero empiricamente ‘socrateano’, pois não tive uma formação acadêmica. Aprendi tudo com os mais velhos e minha cultura também é oral. O interessante é falar deste grande nome fazendo uma analogia com os dias de hoje. Não estamos fazendo um julgamento, mas a própria condenação. Assim como hoje muitos outros são condenados injustamente”.

O autor Ivan Fernandes em entrevista

“Não queria falar de nada diretamente sobre isso, até porque muitas pessoas estão sem distanciamento. Então me ocorreu em falar que tudo virou um grande julgamento – a sociedade, as redes sociais etc. Dessa ideia me veio o julgamento de Sócrates, que é considerado o primeiro grande julgamento da história, e considerado por muitos o ponto inicial onde a sociedade rejeitou a razão em nome de outros interesses. E isso ilustra muito os dias de hoje”.

Comentário

Tonico Pereira faz um prólogo evocando sua cidade natal, Campos dos Goytacazes (RJ), onde teve mestres que equiparou a Sócrates: um barbeiro, um sapateiro. No Rio, suas referências foram Luiz Mendonça, Amir Haddad, José Carlos Gondim, com quem, segundo ele, aprendeu sobre a liberdade do teatro – liberdade que, certamente, exercitou na apresentação do monólogo sobre o destino de Sócrates. 

Liberdade e despojamento são palavras chave nessa montagem. Tal como alerta o ator em entrevistas, trata-se quase de uma conversa, não de um espetáculo. O cenário é simples, despojado, quase um não-cenário (foto). 



Ele se senta na cadeira em alguns momentos, mas fica muito em pé, dirigindo-se diretamente à plateia, e “toma a cicuta” na taça de metal no desfecho da peça. O figurino é atualizado e despretensioso.


O julgamento é conduzido na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, como o ator salienta com frequência ao dirigir-se à plateia. São frequentes as referências a personagens nossos contemporâneos da política brasileira, por exemplo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. 

A montagem é estimulante, porém ligeira tanto no trato da matéria, com ácidas gags de stand-up, quanto no tempo, pois somou apenas 40 minutos no dia em que a assisti. Sendo um monólogo de crítica política, foi eliminado o breve diálogo entre Sócrates e o acusador Meleto sobre os numes; também certos fatos relatados por Sócrates, excluídos. 

De fato, o momento parece muito apropriado a uma encenação sobre um processo considerado, em geral, injusto. A plateia é chamada a dar seu veredito, mas de nada adianta, já que a condenação de Sócrates constitui a história cultural do Ocidente e garante também o desfecho da peça. (Renata Cazarini)




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Livro autobiográfico de Tonico Pereira gratuito (à esq.)

Apologia de Sócrates, na tradução do prof. André Malta (USP).







Excerto da Introdução do Prof. André Malta ao livro Apologia de Sócrates: